terça-feira, 28 de dezembro de 2021

 

Gramatikero – (não) colocação do “n” acusativo no objeto direto oracional

                                                                                                          Por Afonso Camboim

A estrutura “Leão comer tigre” é formada por sujeito e predicado, sendo o predicado um verbo transitivo direto com o seu complemento objeto direto.

Em esperanto, o acréscimo do n a Leão (Leonon) ou a tigre (tigron) indica precisamente qual dos dois é o objeto direto, o que complementa “comer”, independentemente da ordem e do significado das palavras. Assim, as orações “La leono mangxi la tigron” ou "La leonon mangxi la tigro” significam indubitavelmente duas coisas diferentes. Perfeito.

Ocorre que, num período composto, essa mesma estrutura pode, toda ela, ser o complemento objeto direto de outro verbo transitivo direto. Por exemplo: Mi vidis la leono mangxi la tigron (estrutura 1: sujeito + verbo transitivo direto + objeto direto oracional) – equivalente a “Mi vidis, ke la leono mangxas la tigron”. Nesse caso, “leono” é inequivocamente sujeito de “mangxi”, logo sem n).

Aqui surge o detalhe. Os gramáticos tenderiam a considerar apenas leono como objeto direto de vidis, sendo mangxi la tigron predicativo desse objeto direto. Assim, a frase “correta” seria “Mi vidis la leonon mangxi la tigron” (estrutura 2: sujeito + verbo transitivo direto + objeto direto + predicativo oracional do objeto direto).

Comparando-se as estruturas frasais 1 e 2, verifica-se, semanticamente, que em 2 o foco do que foi visto é “o leão”, ao passo que em 1 o foco é “o leão comer o tigre”; numa se vê um objeto e na outra se vê um processo.

De minha parte, defendo a correção da análise sintática subjacente às estruturas 1 e 2, embora veja problemas (não intransponíveis) em ambas. Em 1, o problema é a ausência do n; em 2, o problema (bem maior) é a limitação semântica e a descaracterização do sujeito da oração subordinada (ora, é bem óbvio que leono não deixa de ser sujeito de mangxi - e sujeito com n! - apenas pelo fato de que, em parte, é também objeto de vidis. Basta perguntar “quem come?”).

Visto que os gramáticos já justificam suficientemente 2, cabe-me justificar 1. Entendo que frases com a mesma estrutura de “Mi vidis la leono mangxi la tigron” não comprometem a gramática do Esperanto, pois, além de permitirem o matiz semântico já citado acima, muito dificilmente suscitariam a dúvida peculiar causada pela ausência do n, ou seja, que termo estaria complementando o verbo transitivo direto (da oração principal, no caso). A simples circunstância de o nome ou pronome (e eventuais adjuntos) não receberem n indica, em si, que nenhum termo é objeto, restando, de forma especial, a oração (que inclusive pode apresentar objeto, com o respectivo n) para cumprir tal papel. Ao leitor/falante não resta outra alternativa, senão atribuir a ela tal função (mesmo sem n). A norma, nesse caso, seria: se uma oração aparece onde já há sujeito e verbo transitivo, é justamente essa oração que completa o verbo (e aí, n para quê?). Outra alternativa (não recomendável, claro) seria escrever “Mi vidis la belan malsatan leonon rapiden mangxin la tigronn” (o nn, dever-se-ia ao fato de “tigro” ser objeto de “vidi” - em parte - e de “mangxi”, simultaneamente).

Enfim, eis a proposta. Em nada muda a língua, só um elemento de análise sintática.